segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A indignação e a paz

As pessoas com senso de justiça e respeito ao outro podem, frequentemente, ficar muito indignadas com os preconceitos, desrespeitos e injustiças que vivemos em nossa sociedade atual. Eu fico. Fico muito indignada e com muita raiva. Sinto raiva na homofobia, na discriminação de cor e nível sócio-econômico, sinto muita indignação quando recursos para a merenda escolar são desviados- entre várias outras coisas. Essa é a primeira, em geral, se percebe, decodifica algo errado, do ponto de vista de uma ética social, relacional. É como um sino que toca, uma sirene, na verdade, avisando que aconteceu uma emergência, um acidente, alguém está ferido, há perigo.

Estes são sintomas tanto podem ser positivos quanto acabar fazendo mal ao seu portador, a depender do encaminhamento que dê a eles. Apenas ficar na raiva e na indignação pode ser muito tóxico para quem sente. Pensamento, sentimento e emoção são energias e como tais, atuam sobre a matéria, se espalham no entorno. Raiva é raiva, independente do que seja. É uma emoção que evoca agressividade, ainda que em diferentes níveis. Psicologicamente a raiva também pode ser uma fonte motriz de ação. Pode ser canalizada para uma ação produtiva, criativa, útil. Ou pode ser muito destrutiva e, mais ainda, auto-destrutiva. Ficar parado na raiva e na indignação significa contribuir para o aumento das energias deletérias e tóxicas que rodeiam nosso planeta bem como em nós mesmos.

Qual a solução então? Esta resposta eu procuro e este blog tem por objetivo compartilhar estratégias para lidar com esta questão. Já percebi que a resposta a esta pergunta não está em uma frase ou receita. Ela é uma construção diária de uma postura mental, afetiva e relacional que fortaleça dentro de nós a opção pela paz em vez da paralisia raivosa. Ok que a raiva e a indignação nos despertem. Mas e aí? Viver na queixa, na reclamação pasmada pelas situações escabrosas, envenenando-se ou assumir uma atitude mental, emocional e relacional que seja mais profícua?

A pessoa que já está conectada com o respeito ao outro, com a defesa pelos direitos, com o desejo de um mundo mais equilibrado, vai entender que não basta aceitar as coisas sem nada fazer para mudar. Realmente, não acredito que Deus tenha nos dado inteligência e sensibilidade para ficarmos indiferentes, sem movimento que busque transformação. Na construção da nossa história e sociedade muitos guerrearam e morreram ou se feriram bastante para que certas mudanças ocorressem, para que certos direitos fossem reconhecidos. Portanto, identificar o problema e não agir em nome de uma suposta espera do processo evolutivo dos outros ou com a desculpa inaceitável de que se trata do carma e por isso não cabe intervir é tão equivocado quanto sair matando á toa em nome da correção de uma injustiça.

É preciso ter em mente o tempo todo que a realidade é complexa, as relações são complexas; por que o processo de desenvolvimento (seja ele espiritual, social, emocional) seria simplificado? Lembremos que convivemos com diferentes mapas mentais da realidade. Alinhar tais mapas em torno de alguns princípios básicos como amor, respeito, justiça, requer alguns milhares de anos de investimento pessoal.

A partir dos diferentes mapas as pessoas podem agir construindo pontes ou muralhas. A ponte permite alguma interlocução, troca de representações (vide texto 1), entendimento. A muralha possibilita proteção, mas também afastamento. Muitas vezes a proteção é apenas ilusória.

Se entendemos que somos espíritos em evolução atuando em um corpo e que pensamentos e sentimentos atuam sobre a nossa vida, nossa realidade, podemos ver aí uma alternativa para não ficarmos paralisados na raiva e na indignação: focalizar no centro de nossas mentes e nossos corações pensamentos alternativos à reação inicial de raiva. Orar e pedir ajuda a uma instância superior, mesmo que seja dentro de nós mesmos, é uma boa atitude.

Que fique bem claro que não há problema com raiva e indignação. Da mesma forma, não está se pregando aqui conformismo nem devolver a Deus a responsabilidade sobre a transformação da nossa sociedade. Mas podemos cobrir e preencher a raiva e a indignação com pensamentos e atitudes que intencionem algo superior. Podemos fazer escolhas. 

Vamos tentar? Um pensamento, uma respiração, uma compreensão que liberte... observe-se durante esta semana e compartilhe conosco. Vamos criar uma rede de fortalecimento das atitudes de paz. Começa em nós mesmos!

Muita Paz e até a próxima semana!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Mapas mentais da realidade

As coisas, eventos, situações têm significados diferentes para diferentes pessoas.  Cada um de nós atribui um significado diferenciado para cada situação. Para alguns grupos ou comunidades, dois homens abraçados na rua tem um sentido ingênuo e fraternal; para outros grupos é algo inaceitável e para outros ainda é algo completamente natural, desprovido de motivo para ser  comentado. Da mesma forma, na idade média, dar seu filho bebê a uma ama para ser amamentado e cuidado até certa idade, morando em outra residência, era algo natural para famílias nobres. Tal atitude hoje seria inaceitável e talvez até compreendida como crime de abandono de incapaz.

A tais formas de ver o mundo, a tais representações, pode-se chamar de Mapas mentais da realidade. Encontrei menção a tal idéia em diversas áreas do conhecimento como a psicologia cognitiva, a teoria do processamento da informação, a neurolinguística, sociologia. Ainda que possua nomeclaturas diversas, a ideia da atribuição de significados diferenciados às experiências humanas está presente em todas elas. Seja pela formação cultural, familiar, pessoal, religiosa, o fato é que existem pessoas com mapas bastante diferenciados a respeito de um dado assunto. Da mesma forma, existem pessoas com mapas próximo, semelhantes.

Analogicamente pode-se deduzir que compreender alguém cujo mapa sobre determinado assunto ou situação será mais fácil e tranqüilo na medida em que o mapa da pessoa que compreende seja semelhante ao da pessoa compreendida. Por exemplo: você está em um bar, depois da praia, com amigos ou família, em pleno domingo de sol. A conversa está boa, a comida está boa.  Você está feliz. Aí chega aquele cara, também com sua família e amigos, também vindo da praia, que senta numa mesa do bar perto da rua por que coloca o som do seu carro no máximo, portas abertas. Algumas pessoas do bar podem achar ótimo. Que coisa legal aquela música alta e animada! Era o que faltava. Você e outros podem achar desrespeitoso, desagradável e irritante. Quem ele pensa que é para impor essa música para todos? Este é um exemplo bem claro de diferenças de mapas. Neste momento pode ser que você, leitor, esteja pensando: isto não é uma representação, é realmente falta de respeito e, em alguns municípios, vai contra a lei. Mas o que será que se passa na mente do animado vizinho de mesa? Uma infinidade de coisas que não poderemos precisar. Ele pode pensar: “Não estou nem aí para os outros. Estou feliz, quero ouvir minha música.”. Ou ele pode ainda ter a ideia de que “Todos nesta cidade, depois da praia, querem ouvir este tipo de música. Estou compartilhando a minha alegria para todos, pois este bar não tem música ao vivo tocando”. Não é possível saber o que ele pensa exatamente, se tem respeito por isso ou não. De fato, isso realmente importa pouco por que não se tem nenhum poder sobre ele. Apenas sobre sua própria reação.

Para este blog nos interessa a reação na qual a paz interior some, passa longe (se é que ela já esteve presente...). Aquela reação que envolve grande revolta, raiva e indignação provocadas pelo sentimento de desrespeito aos direitos do outro. O fato é que existem aí mapas muito distintos a respeito desta situação.

O esforço para substituir o entendimento sobre esta situação poderá ser o primeiro passo para vivê-la com menos sofrimento. Têm-se duas opções, no mínimo: olhar a situação com a revolta habitual, com toda a “razão” e verdade sobre o assunto ou entender que aquele outro ser humano (como eu mesmo) tem um entendimento diferente do meu a respeito da situação. Esta mudança envolve abrir mão do julgamento sobre o outro (“desrespeitoso, egoísta, ignorante!”) e passar a vê-lo com alguém com uma representação diferente da sua. Nem melhor nem pior.

É um exercício delicado e poderoso. Perseverança e boa vontade serão necessárias. Mas a compreensão é como uma luz que, ao iluminar pensamentos, liberta de emoções e reações que acabam trazendo mais dor e sofrimento que justiça e paz.

O outro é um ser humano como eu, com uma história, uma construção de vida, como eu. Tem um entendimento diferente do meu. Nossos mapas sobre convivência social (no exemplo acima) se apresentam muito distintos.

A partir deste entendimento sincero, trazido com boa vontade para o coração e para o centro de sua mente, de seus pensamentos, pode-se pensar na seguinte opção: considerando os diferentes mapas, criar pontes ou muralhas?

Este será o tema do próximo post. Boa semana para todos!